Do ano passado até o momento, pelo menos 54 pacientes morreram na fila de espera para procedimentos; em todos os casos, havia decisão judicial determinando o atendimento
As cirurgias eletivas são procedimentos que não precisam ser realizados em caráter de urgência, ou seja, podem ser agendadas. O que não significa, porém, que os pacientes que estão nas filas têm condições de aguardar muito tempo para a realização desses procedimentos. Em muitos casos, a espera dura anos, com o paciente aguardando no próprio leito do hospital, chegando até o óbito, enquanto aguardava a chegada da sua posição para a cirurgia. Aos pacientes e familiares, recorrer à Justiça é a última saída quando a demora na fila para a cirurgia representa um risco ao paciente.
Conforme dados do Núcleo Especializado de Defesa da Saúde (Nusa) da Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE-TO), somente no ano de 2018 e até julho de 2019, 54 assistidos da Instituição, que já tinham determinação judicial para a realização de cirurgias com urgência, vieram a óbito enquanto esperavam pelo procedimento. No mesmo período, o Estado teve um total de 121 bloqueios judiciais nas contas públicas, para a realização das cirurgias eletivas determinadas.
De acordo com o defensor público coordenador do Nusa, Arthur Luiz Pádua Marques, a atuação da Defensoria Pública tem como objetivo garantir o efetivo acesso ao direito à saúde da população vulnerável, tanto na seara individual como coletiva, para que sejam implementadas em seu favor políticas públicas relativas a este direito fundamental. “Há muitos casos em que a Defensoria e o Judiciário fazem a parte deles, mas falta o cumprimento das decisões e esse prazo traz muita angústia para os pacientes. A gente espera que, cada vez mais, haja políticas públicas mais efetivas e preventivas para evitar o caos, porque cada hora que passa pode ser crucial na vida dessas pessoas”, destaca o defensor público.
Espera
Entre os pedidos comuns estão os casos de artroplastia para a colocação de próteses nas pernas e/ou quadril. Um destes casos é de uma aposentada de 79 anos, moradora de Guaraí, município localizado a 177 Km de Palmas. Ela não resistiu à espera pelo procedimento e faleceu na última segunda-feira, 29.
Quando soube que teria direito a uma cirurgia de prótese total no quadril, toda a família se mobilizou para trazê-la ao Hospital Geral de Palmas (HGP), onde foi internada em abril de 2018, na expectativa por uma cirurgia de artroplastia. Passado um ano e meio de espera no próprio leito do Hospital, sem assistência de fisioterapia, a aposentada faleceu após a equipe médica detectar uma grave infecção no quadril.
Logo no primeiro mês de espera, a família procurou a DPE-TO para judicializar o pedido urgente de cirurgia. A equipe da Central de Atendimento a Saúde (CAS) deu entrada em Ação para que o Estado realizasse a cirurgia, em setembro de 2018, tendo decisão judicial favorável para realização em no máximo 15 dias.
Deste período até a data da morte da aposentada, a DPE-TO informou descumprimento, pediu bloqueio de valores, realizou reunião com a direção do Hospital informando o descaso, a Delegacia Especializada de Proteção à Pessoa Idosa foi notificada, um novo prazo foi determinado pela Justiça, mas, ainda assim, a determinação não foi cumprida a tempo de se evitar o óbito. A justificativa do Estado para a demora seria a falta de equipe médica e também de próteses, sendo que já estava em curso, desde março de 2017, um processo de licitação para adquirir as próteses de artroplastia.
Outras áreas mais comuns de necessidade de cirurgias eletivas no Tocantins são as cirurgias para resolução de problemas ortopédicos, otorrinolaringologia, urologia, oftalmologia (como casos de catarata), cirurgia vascular (especialmente as cirurgias de varizes) e de cardiopatia, principalmente para bebês recém-nascidos, o que ainda não é realizado no Estado, necessitando de Transferência Fora de Domicílio (TFD). Somente no ano passado, segundo dados do CAS, 19 crianças morreram aguardando cirurgia de cardiopatia.
Atuação
Um dos meios para pedido de socorro dos tocantinenses é a Defensoria Pública. A Central de Atendimento à Saúde e o Nusa, diariamente, dão entrada em ofícios, recomendações, ações judiciais, manifestações, entre outros. Apesar da soma de esforços com tantas demandas dos familiares, equipe da DPE-TO e Justiça, ainda é grande o número de pacientes que vêm a óbito aguardando a cirurgia, mesmo com determinação judicial a cumprir.
Atualmente, 2,5 mil ações judiciais da área de saúde estão em tramitação na Justiça, de diferentes demandas, como cirurgias, medicamentos, exames e outros procedimentos. Apenas no período de janeiro a junho deste ano, o Nusa deu entrada em três iniciais de ação coletiva, realizou 72 audiências administrativas, 14 audiências públicas, 144 ofícios, 30 relatórios de visita, 14 recomendações, três representações, 28 audiências jurídicas e 41 manifestações em ações civis públicas e demais ações. Já no CAS, no mesmo período, foram realizados 3.091 atendimentos, 1.115 expedientes administrativos para tentativas resoluções extrajudiciais e 215 processos judiciais protocolados de demandas de medicamento, cirurgia, internação compulsória, fórmulas alimentares, UTI, tratamento fora de domicílio, demandas de planos de saúde e outras.
Atendimento
As pessoas que necessitam de acesso aos serviços de saúde pública e privada, que tiverem sua demanda negada, podem procurar a CAS para demandas individuais ou Nusa para demandas coletivas. Ambos os setores estão localizados no segundo andar da sede da DPE-TO, em Palmas.
A Resolução 170/2018 do Conselho Superior da Defensoria Pública define os parâmetros para atendimento na instituição. Para ser atendida na Defensoria, a pessoa deve ter renda individual de até 2,5 salários mínimos, entre outros critérios.
(Cinthia Abreu)