Tributação sobre Netflix pode ser inconstitucional

Tributação sobre Netflix pode ser inconstitucional

Aumento da carga tributária nunca é assunto fora de moda no Brasil. Todo dia temos alguma novidade, ainda mais em tempos de crise.

Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou Projeto de Lei Complementar para que alguns “serviços” virtuais passem a pagar ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza), tributo cobrado por municípios. Destacou-se principalmente que o Netflix poderia passar a pagar ISS.

O possível aumento de tributos já repercutiu e gerou até piadas nas redes sociais, ambiente repleto de usuários desse tipo de aplicativo, que deverá ficar com a mensalidade mais cara, caso efetivamente surja essa nova hipótese de obrigação tributária.

Mas existe uma barreira muito forte que precisará ser derrubada ou, no mínimo, “driblada”, para a tributação do Netflix: a nossa Constituição Federal.

O art. 156, III, autoriza os municípios a instituir imposto sobre “serviços de qualquer natureza”. Repare bem: “serviço”.

A discussão que sem dúvida se iniciará é a seguinte: Netflix é um serviço?

Essa questão é de fundamental importância, pois, não sendo um serviço, não haverá autorização para uma cobrança de ISS, de modo que a eventual futura lei será inconstitucional.

Tentemos esclarecer e dar exemplos para tornar mais simples a compreensão: do ponto de vista jurídico, um serviço é uma obrigação de fazer, ou seja, um acordo mediante o qual alguém se compromete a fazer algo para outra pessoa.

Assim, um médico que realiza uma consulta, certamente presta um serviço. Um advogado que elabora uma petição também. O mesmo ocorre com um publicitário contratado para elaborar uma campanha publicitária. Mas o Netflix é um serviço?

Impropriamente, alguns chamam esse tipo de aplicativo de “serviço de streaming”, que é a liberação de um sinal online transmitindo dados em tempo real. Note-se que ele não transmite a “internet”, mas um sinal “via internet”, que é utilizada como veículo dos dados, não se confundindo essa questão.

Assim, se formos observar a verdadeira natureza, nos parece que o Netflix concede a seus assinantes uma autorização para acesso a um conteúdo alocado em certo servidor. Se é assim, o Netflix não está realizando um serviço, mas permitindo o acesso e visualização de um conteúdo próprio.

Isso se aproxima muito a uma espécie de “locação” em que todos os filmes, documentários, séries etc. Estão ao alcance do controle remoto, uma versão talvez atualizada das locadoras que nos eram tradicionais.

A esse respeito, o STF já declarou, inclusive através de Súmula Vinculante (decisão que deve ser observada de forma obrigatória pelas instâncias inferiores do Judiciário e toda a Administração Pública), que “É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS sobre operações de locação de bens móveis.” (SV nº 31).

O fundamento foi justamente o que expusemos acima: locar algo é disponibilizar algo, não realizar um serviço.

Questão polêmica e muito parecida é a tributação de “datacenters”. No Brasil ou no exterior, a atividade consiste em ceder espaço de armazenamento em servidores. Isso é um serviço, ou seja, uma obrigação de fazer?

No ano passado, a Receita Federal do Brasil, após pareceres contraditórios, definiu que sim. Mesmo assim, essa resposta não nos parece convincente.

Não se sabe se vingará o Projeto de Lei Complementar que visa tributar o Netflix e aplicativos análogos, mas a certeza é de que haverá um grande embate em torno da constitucionalidade ou não da tributação do ISS sobre essas atividades.

No final, a última palavra caberá ao Judiciário.

(Bruno Barchi Muniz/JusBrasil)

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